22 de setembro de 2011

A morte pede carona - PARTE 2

Como mostrado no post anterior sobre mortes nos quadrinhos, já no final da década de 80, mesmo entre autores consagrados como Walt Simonson e Marv Wolfman não era nenhuma novidade que jogar personagens importantes para a terra dos pés-juntos conseguia movimentar as vendas das HQs, e hoje, muitos anos depois, isso se tornou algo comum aos editores e artistas, o que vem saturando o mercado com o morre e “desmorre” dos ícones das revistas de linha.
Qual será o destino das HQs se o tema morte continuar banalizado como está atualmente? 

AS MORTES NA DÉCADA DE 80
Após o impacto causado pela morte do Flash/Barry Allen e da SuperGirl em Crise nas Infinitas Terras, considerado este um dos primeiros mega-eventos desse tipo nas revistas em quadrinhos, as duas principais editoras, Marvel e DC, começaram a apostar alto no homicídio de seus personagens principais, aquecendo as vendas de certo modo e procurando revitalizar as histórias com heróis que viessem a substituir os falecidos posteriormente. 
Ainda nos anos 80, podemos citar a saga Morte em família, escrita por Jim Starlin e desenhada por Jim Aparo, como uma das que embarcou na onda das mortes banais.
No roteiro, o intempestivo Robin/Jason Todd (o segundo a usar a cuequinha verde) é afastado de suas funções “heroizísticas” pelo Batman, que começa a perceber certo comportamento auto-destrutivo no garoto.
Desafiando as ordens de seu mestre e colocando-se em risco desnecessariamente durante as missões da dupla dinâmica, Jason resolve sair da asa do morcego e passa a seguir uma pista do paradeiro da sua verdadeira mãe no Oriente Médio, o que o leva diretamente para um plano maligno do Coringa.

Na época a DC deixou seus telefones à disposição dos leitores que optaram pela morte do Robin boladinho, e então, seguindo o desejo dos fãs, Jim Starlin escreveu uma história bem aquém de suas capacidades (comparando, por exemplo, a Morte do Capitão Marvel, escrita anos antes pelo mesmo autor na Marvel), que só serviu única e exclusivamente para matar o sidekick do Batman de forma bem violenta, como já mostrei aqui no post sobre as maiores surras das HQs.
Ei, a morte do Robin funcionou para alavancar as vendas na Distinta Concorrente, por que não matamos mais heróis famosos aqui também na Casa das Ideias?”, pensou Jim Shooter, que na época era o manda-chuva da Marvel.
Sobre seu comando, Chris Claremont e John Byrne já haviam matado a Fênix Negra numa das decisões editorias mais polêmicas da história dos quadrinhos (Byrne nunca concordou com a morte de Jean Grey) e foi a ideia de Shooter que praticamente deu o pontapé inicial nas mortes desenfreadas dos quadrinhos.
Se levarmos em consideração o número de mortes de heróis para cada editora e sua importância dentro de seu universo, temos praticamente um empate técnico.
Analisemos:
No início da década de 80 a Marvel matou dois importantes personagens em uma só tacada.
Em 1980 foi a Fênix Jean Grey quem cantou pra subir no desfecho da Saga da Fênix Negra. Até então, nunca uma das protagonistas de uma HQ havia sido morta definitivamente (na época parecia definitivo!) e seu fim fora um marco nos quadrinhos.

Dois anos depois, foi a vez do Capitão Mar-Vell, que morreu vítima de câncer numa das mais emblemáticas graphic novels de todos os tempos, assinada, como eu já havia observado, por Jim Starlin, o pai praticamente de todas as sagas cósmicas da Casa das Ideias. 
Pela DC, as mortes significativas só vieram a acontecer mais perto do fim da década de 80, e nem bem a Crise nas Infinitas Terras se findou levando o Flash e a Supergirl para o lado do mistério, veio a decisão de se matar o Robin, que embora não fosse o original Dick Grayson, ainda assim era um personagem importante para as histórias do qual participava. 


Todas as HQs aqui citadas, independentemente de sua qualidade, surgiram em momentos chaves para ambas as editoras, e fizeram sucesso dentro do público que esperavam atingir. Seja pelo desejo do mórbido, ou pela simples curiosidade, a morte atrai as pessoas, e nas HQs, onde personagens tão fantásticos com poderes inimagináveis também podem se deparar com esse mal irremediável, não é diferente.
A fórmula havia sido experimentada várias vezes e aprovada. Matar personagens rendia boas histórias, mas acima disso atraía público. Um monstro havia sido criado.
A MORTE DO SUPER-HOMEM


Falem o que quiser dessa história.
Mal contata. Forçada. Massa véio. Estúpida. Caça-Niquel.
A verdade é apenas uma:
A morte do Super-Homem foi um dos mais bem sucedidos e polêmicos acontecimentos das HQs dos últimos 20 anos, e eu, todo esse tempo depois, devo confessar que caí direitinho nos planos dos grandões da DC que autorizaram a criação dessa história. Eu me senti tocado pelo enredo e embarquei na onda que tomou o Brasil e o mundo.
Acham que eu estou brincando? 

Se você não era vivo na época, jovem padawan, saiba que A Morte do Super-Homem não foi um evento que só atingiu nerds esculhambados que curtem HQ. A notícia apareceu nos meios de comunicação como se tivesse acontecido de verdade, como se uma figura célebre e mundialmente conhecida tivesse mesmo morrido, e eu me lembro do grau de importância que até o Fantástico da Rede Globo deu ao acontecimento.

Você saía nas ruas e a primeira coisa que você via nas bancas eram cartazes com o logo ensanguentado do personagem (um dos símbolos mais impactantes que já vi na vida) e a HQ pendurada à venda. Na escola só se falava dessa porra, e embora eu tenha tido a oportunidade de pegar a dita cuja em mãos e sofrido com suas páginas (eu tinha uns 11 anos na época e o Super-Homem era o representante máximo do herói, um cara que, na teoria, não podia morrer), demorei longos anos para ter meu próprio exemplar.
O começo dos anos 90 não foram gentis para o velho Homem de Aço. Personagens cada vez mais violentos e obscuros estavam ganhando cada vez mais espaço no universo das HQs. Caras como Wolverine, Justiceiro e Guy Gardner ganhavam cada vez mais público devido seu modus operandi abrutalhado, e os leitores começavam a não querer mais saber dos velhos escoteiros que salvavam gatinhos em perigo de cima da árvore. A década mais massa véio de todas estava começando, e o Super-Homem já não era mais um personagem querido. Ele estava datado, e a menos que a DC concordasse em parar de publicar suas histórias por causa das baixas vendas, algo precisava ser feito.
Foi aí que um verdadeiro time de grandes roteiristas e artistas foi escalado para construir aquela que seria uma das histórias mais lembradas do Homem de Aço em muitos anos, e a estratégia deu tão certo que os spin-offs da morte se espalharam por praticamente todas as revistas da DC da época, conseguindo erguer o título que há anos vinha cambaleante e moribundo próximo de seu fim. 

Depois da morte veio Funeral para um amigo, Super-Homem além da Morte e O Retorno do Super-Homem, e as vendas permaneceram aquecidas por mais alguns anos, provando acima de tudo que poucos elementos são mais rentáveis no mundo das HQs do que a morte, motivo pelo qual certo argumento se tornou tão popular de lá pra cá.
HERÓI BOM É HERÓI MORTO
A morte do Super-Homem foi um marco tão profundo e algo que funcionou tão bem para revitalização de uma franquia, que a partir de então, virou praticamente regra assassinar alguém nas HQs. Depois do Super-Homem, o Lanterna Verde (Hal Jordan) morreu, a Mulher Maravilha bateu as botas, o Arqueiro Verde cantou pra subir e até o Lex Luthor foi dado como morto. Pela Marvel, a Elektra abotoou o paletó de madeira (umas cinco vezes pelo menos), o Ciclope apitou na curva, o Magneto comeu capim pela raiz (umas dez vezes também), o Colossus entregou a rapadura e até o Homem Aranha passou uma temporada no túmulo, embora não tivesse morto definitivamente. Kraven o caçador não era competente o suficiente.
Eu citei apenas alguns personagens que passaram pela experiência do além-túmulo, mas a lista é muito mais extensa e alguns nomes dessa lista até mesmo se repetem tal é o grau da banalidade que o assunto morte atingiu na época moderna.
O fato é que, diferente de alguns personagens que permaneceram mortos por muito tempo após fazerem parte de histórias brilhantes que povoam a memória dos fãs até hoje, como Gwen Stacy e o já citado Capitão Mar-Vell, a maioria dos personagens que batem as botas hoje o fazem para voltar daqui a dois meses no máximo, e isso causa um ciclo vicioso do qual ninguém mais espera nada, soltando aquela máxima: “Ah, morreu? Tudo bem. Daqui a dois meses ele volta”. Na Marvel e na DC os túmulos não são invioláveis, e volta e meia temos algum profanador, trazendo um coitado de volta pra Terra depois de uma temporada no descanso “eterno”.
Pra encurtar o assunto, é importante citar algumas mortes desnecessárias que houve nas HQs e as formas ainda mais desnecessárias que elas foram desfeitas.
Jason Todd morreu após ser espancado pelo Coringa e ter sido apanhado em uma explosão, certo? O personagem ficou por anos longe das histórias de seu mentor Batman literalmente morto e enterrado, mas eis que num dia de diarreia cerebral, o escritor Judd Winick fora induzido a trazer o personagem de volta durante os eventos da Crise Infinita (não confundir com Crise nas Infinitas Terras, Crise de Identidade ou Crise Final).
A desculpa?
Oras, o SuperBoy-prime andou dando umas porradas na realidade e isso criou uma onda de merda choque que perturbou o continuum-espaço-tempo e... Ah, vai pro inferno com essa lenga-lenga!


O fato é que queriam trazer o segundo menino-prodígio de volta do inferno para causar mais estragos na já abalada psiquê do Homem Morcego, e como não queriam apelar para clones, irmãos gêmeos malvados ou qualquer outra dessas já manjadas safadezas de roteiro, inventaram a “brilhante” solução das porradas na realidade.

Na mesma época, na Marvel, resolveram trazer de volta um dos defuntos mais respeitados de todos os tempos, o Bucky, parceiro mirim do Capitão América. Este, ao lado do Tio Ben e de Gwen Stacy figurava como um dos mortos sagrados das HQs, aquele que poucos roteiristas ousavam mexer, em memória do bom andamento das histórias.

Eis que num dia mais inspiradodo que o de Judd Winick, Ed Brubaker resolveu criar uma história em que Bucky, assim como seu parceiro bandeiroso, jamais havia morrido em missão após a explosão do avião do Barão Zemo.
Congelado no Ártico ele foi encontrado por militares renegados soviéticos que o transformaram num Soldado Invernal, e assim foi criado um roteiro muito melhor elaborado e até coerente se pensarmos que o Capitão América permanecera vivo da mesma forma.

Brubaker fez um excelente trabalho com o Bucky e a forma como ele foi trazido de volta à vida foi uma das mais competentes que já li até hoje, apesar de todo o visual anos 90 do personagem, com direito a braço mecânico, cabelo comprido e muitos trabucões nas mãos!!
O arco todo desde o ressurgimento do Bucky, o mistério em torno da verdadeira identidade do personagem (que havia perdido sua memória) e o envolvimento de personagens quase esquecidos do universo do Capitão América como Jack Monroe, o Nômade, por exemplo, foi muito bem desenvolvido, o que a meu ver, transformou as histórias do Bandeiroso, que na época estavam sendo publicadas por aqui no mix dos Novos Vingadores, em uma das mais aguardadas mensalmente.
Pena que, pelo visto, mesmo depois de todo esse elaborado plano para trazer o personagem de
volta, ele vai voltar pra vala na Saga Fear Itself da Marvel que está rolando na gringa.
Sem falar que tudo estava perfeitamente bem nas histórias do Capitão América, até o retorno farofa do velho Steve Rogers, com o papinho de que ele não havia morrido e sim estava perdido no tempo e no espaço. EEEEE, Joe Quesada

Na época eu não acompanhava quadrinhos regularmente nas bancas, adquirindo mais exemplares em sebos, mas fiquei curioso em saber como é que trariam Jean Grey do túmulo após o fantástico desfecho da Fênix Negra.
Como?
Ora, dizendo que aquela Jean Grey que morrera, na verdade era um clone, óbvio!

John Byrne, o mesmo que não concordara com a morte da personagem durante a gestão de Jim Shooter na Marvel trouxera a personagem de volta anos depois para compor a equipe X-Factor, que continha a formação original da equipe de mutantes mais famosa dos quadrinhos (Ciclope, Fera, Anjo, Homem de Gelo e Jean Grey).
A desculpa da vez era que a entidade Fênix havia clonado o corpo hospedeiro da Garota Marvel durante a queda do ônibus espacial que trouxera os X-Men de volta pra Terra após uma rápida “excursão” pelo o espaço (local onde Jean fora “infectada” pela Fênix), e que o corpo da garota permanecera no fundo do mar em uma câmara, em animação suspensa desde então.
Genial, não?
Em uma tacada só, livraram Jean de toda a culpa de ter destruído um planeta inteiro em seus tempos de Fênix Negra (que na verdade não era ela...) e trouxeram a personagem de volta para o convívio de seu namorado caolho como se nada tivesse acontecido. Pelo menos para ela, né, porque durante “sua morte” o Ciclope até casou com outra, mas isso é outra história.
O que aconteceu então? Anos mais tarde, como toda boa fênix, Jean morreu de novo pelas mãos de um Magneto que na verdade não era O Magneto, e esperamos ansiosos até que ela dê as caras mais uma vez, como já é de praxe no Universo Marvel. 

Ainda no mundo mutante da Marvel, é muito comum as mortes passageiras dos membros de sua várias equipes (X-Men, X-Factor, X-Force, Novos Mutantes...) e praticamente todos os membros (talvez com exceção do baixinho canadense que é praticamente imortal hoje em dia) já morreram ou foram dados como mortos durante um tempo.
Põe na lista: Ciclope, Banshee, Noturno (esse morreu recentemente), Colossus, Psyloque, Cifra, Warlock, Magia (a irmã do Colossus), Kitty Pryde (bem, ela estava presa numa bala metálica, mas acho que conta), Magneto com a confusa história do tal Xorn, o Magneto de mentirinha que acabou sendo decaptado por Wolverine, e até mesmo o Profº Xavier.
Todo esse pessoal já passou para o outro lado, e isso nem é mais garantia de que ficaremos sem ver esses personagens por muito tempo, pois as sagas Caça-Niquel estão aí a todo o momento para ressuscitar personagens sem precisar se preocupar com grandes explicações.

Um exemplo clássico desse tipo de Saga foi A Noite mais Densa da DC, que só serviu para trazer o Caçador de Marte, o Nuclear original, o Aquaman e mais um monte de bucha da morte sem precisar se esforçar muito para ser coerente. Sem falar que essa história serviu como demarcação de território para que o Flash/Barry Allen voltasse de vez do túmulo, apagando completamente a existência do melhor Flash de todos os tempos, o Wally West



O que? Você não sabia que o Barry Allen voltou da morte após a espetacular conclusão de Crise nas Infinitas Terras??


Pois é. Mas quem se importa com o que você acha, não é mesmo, fã?
Segundo Geoff Johns (o todo poderoso da DC) explicou no fim do arco de a Noite mais Densa, todos os personagens trazidos de volta a vida após a destruição de Nekron, retornaram porque a “luz branca” assim o quis. Ponto. É isso. Mais limpo que a mágica do Joe Quesada!


Pensando bem, até as porradas na realidade são mais tragáveis. Pelo menos eram mais originais!
Fazendo um paralelo com o futebol brasileiro, essa decisão me pareceu com aquela tal Copa João Havelange que substituiu o Campeonato Brasileiro por apenas um ano para trazer de volta o Fluminense e mais alguns times do limbo da Terceira Divisão, de onde muito provavelmente, por mérito próprio eles jamais sairiam. Em matéria de safadeza Joe Quesada e Dan Didio não estão sozinhos no mundo. O Brasil também é páreo duro nesse quesito!
Quer fiquem os fãs putos da vida com essas decisões editoriais claramente mercenárias ou não, a verdade é que enquanto houver um público (burro) que compra essa ideia, os manda-chuva das editoras não pararão com esse morre e “desmorre” de personagens, isso é fato. Enquanto esperamos histórias de qualidade e que nossa inteligência não seja insultada a cada nova saga que surge no mercado “HQzístico”, os caras que mandam nessa porra toda estão mais a fim de contar dinheiro, e isso está cada vez mais óbvio. Por sorte, mesmo com a qualidade das histórias decaindo a olhos vistos diariamente, ainda tem um ou outro título que se salva, e para certos “momentos marcantes” das histórias em quadrinhos é melhor fechar os olhos, ou deixar que algum reboot, pacto com o Mephisto ou porradas na realidade dêem cabo.
Em vez de nos preocupar, que tal lançarmos um bolão nerd de apostas pra ver quem é o próximo a se levantar do túmulo?
Comecem as apostas!!

NAMASTE!

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